Notícias

Câncer de rim, transplante e hemodiálise ganham destaque em novela da Globo

A doença entrou em cena na novela O Outro Lado do Paraíso, da Globo, quando a personagem Adriana, interpretada pela atriz Julia Dalavia, descobriu um tumor. Junto com a descoberta, também vêm sendo abordados assuntos como o transplante renal e a hemodiálise.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nielsen em 2017 mostrou que menos de três a cada dez pessoas no Brasil têm informações sobre o diagnóstico, tratamento, causas e prevenção do câncer renal. “Acho muito válido a novela abordar esse tema porque é um tumor que causa poucos sintomas e, na maioria dos casos, é descoberto em exames de rotina em pacientes assintomáticos, como no caso da personagem. Com isso, alerta-se para a importância da avaliação médica periódica. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores são as chances de cura”, afirma a médica Maria Gabriela Rosa, do centro nefrológico Renal Quality, de Jundiaí. Segundo a nefrologista, apenas 10% dos pacientes apresentam os sintomas clássicos da doença, como dor abdominal, sangue na urina e massa palpável.

“O câncer de rim pode se manter oculto durante um longo período. Como o rim é um órgão que se localiza mais profundamente no abdômen, sintomas mais intensos e possibilidade de apalpação do câncer só ocorrem quando a doença está mais avançada, já com metástases, ou seja, invadiu outras partes do corpo”, explica a nefrologista. Outros sinais que podem indicar o problema e devem ser investigados são perda de peso, febre, cansaço, suor excessivo à noite e pressão alta. “A melhor forma de prevenir a doença é manter hábitos de vida saudáveis, alimentando-se adequadamente e estar atendo o próprio corpo”, diz Maria Gabriela.

Os cuidados devem ser redobrados entre as pessoas com hipertensão arterial, obesas ou fumantes, que têm maiores chances de desenvolver o câncer de rim, segundo a médica. A doença pode ser causada ainda por algumas síndromes genéticas raras ou acometer pacientes portadores de insuficiência renal em diálise e usuários crônicos de analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides, entre eles o ácido acetilsalicílico e a dipirona sódica. Trabalhadores expostos a substâncias como cádmio, asbestos (amianto) e derivados de petróleo também têm maior risco.

ESTATÍSTICAS

Assim como é pequeno o nível de informação dos brasileiros sobre o câncer de rim, os dados nacionais sobre a incidência da doença também são escassos, uma vez que não está entre os tipos mais comuns no País.Embora o Instituto Nacional do Câncer (Inca) não disponibilize estatísticas específicas sobre esse tipo de câncer, dados mundiais mostram que a doença representa cerca de 3% das neoplasias malignas entre adultos. No Brasil, 6.255 pessoas receberam o diagnóstico da doença em 2012, segundo o relatórioGlobocan, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS). Desse total, 3.761 eram homens e 2.494, mulheres. Esse cenáriode prevalência de casos entre o sexo masculino ainda se mantém, segundo a médica Maria Gabriela,e os homens têm quase o dobro de chance de desenvolver a doença. De acordo com a nefrologista, a faixa etária mais atingida vai da sexta à oitava década de vida, com idade média de diagnóstico próxima dos 64 anos. A especialista explica que há vários tipos de câncer de rim, mas o mais comum é o carcinoma de células renais, querepresenta entre 80% e 85% dos casos. “É uma consequência da transformação das células dos túbulos que formam os néfrons, que passam a proliferar de forma anormal”, explica.Os néfrons são estruturas responsáveis pela filtração e formação da urina, e os túbulos, os locais por onde circulam os líquidos com as substâncias que serão eliminadas ou reaproveitadas pelo organismo. O diagnóstico é feito por exames de imagem, como o ultrassom e a tomografia, e o avanço tecnológico tem permitido descobrir a doença cada vez mais cedo. “O aumento no número de casos diagnosticados a partir dos anos 90 está provavelmente relacionado ao acesso aos exames de imagem mais sensíveis na detecção de pequenos nódulos, como é o caso da tomografia computadorizada”, diz Maria Gabriela. “Se diagnosticado precocemente, o tratamento cirúrgico é curativo”, afirma a nefrologista.

Durante a cirurgia, o rim afetado pode ser retirado total ou parcialmente, dependendo do caso de cada paciente.As pessoas com apenas um rim têm uma vida normal e saudável.

FICÇÃO

Na trama da novela, a personagem faz a cirurgia, mas começa a perder as funções renais do outro rim e precisa de um transplante.Sua mãe biológica (Beth, interpretada por Glória Pires) é compatível, mas em um primeiro momento será descartada como doadora porque é alcoólatra e Adriana dependerá da hemodiálise. Apesar de considerar o lado positivo de colocar o assunto em evidência, a nefrologista Maria Gabriela ressalta que a novela é uma obra de ficção e que as pessoas devem buscar um especialista para tirar dúvidas ou se informar corretamente. No início deste mês, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) enviou uma carta à Globo “esclarecendo alguns pontos sobre a doença renal crônica”. A carta (em anexo)também foi divulgada no site da entidade.

Em um dos trechos, por exemplo, contesta a recusa de Beth como doadora (no decorrer dos capítulos, ela acaba doando o rim à filha). Em outro, afirma que a novela não deve ser alarmista, mas “informar e demonstrar que há vida normal após o diagnóstico da doença renal crônica e que tratamentos, como a hemodiálise – filtragem do sangue por uma máquina que faz o trabalho que o rim doente não pode fazer – e transplante permitem que o paciente continue levando sua vida. Tem-se pensado muito na qualidade de vida dessa população, com a possibilidade de prescrição mais individualizada das sessões de diálise e o apoio de uma equipe multidisciplinar formada por psicólogo, nutricionista e assistente social. O objetivo é incentivar o paciente a manter seu estilo de vida o mais próximo do normal”, reforça Maria Gabriela. Além disso, diz a médica, os procedimentos estão muito mais seguros:“Hoje em dia, existem medicamentos fornecidos pelo governo para controle da anemia e do distúrbio mineral ósseo que o paciente renal crônico desenvolve”.  Em relação aos transplantes, a especialista afirma que o ideal seria que todos os pacientes com indicação para o procedimento pudessem fazer a cirurgia o mais rápido possível para evitar o agravamento do quadro e o surgimento de problemas decorrentes, como por exemplo, os cardiovasculares, principal causa de mortalidade de doentes renais em hemodiálise.

Em setembro do ano passado, porém, mais de 26,5 mil pessoas aguardavam por um rim no Brasil, a maior fila de espera por um órgão no País. De acordo com a nefrologista, houve um aumento no número de doações de rim em 2017, mas ainda muito modesto: de 3,2% de doadores falecidos e de 1% de doadores vivos.

SAIBA MAIS

Essa não é a primeira vez que uma novela da Globo aborda o tema transplante de órgão. Em 2013, quando foi exibida a novela Em Família, em que um personagem precisou de um transplante do coração, houve um aumento de 19% no número de procedimentos, segundo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O mesmo aconteceu em 1992, quando foi ao ar De Corpo e Alma. Houve picos de doações neste período.